Sidarta Gautama (o
Buda) há muitos dias estava prostrado à sombra da grande figueira
(Bodhi) sem comer nem beber. Seu corpo definhava enquanto sua mente se
robustecia entregue ao profundo e sereno meditar. Mais do que nunca, ele
buscava a compreensão do sentido da Vida.
De repente, Buda percebeu
uma presença à sua frente. Sem abrir os olhos, ele divisou o gato imóvel
que o fitava com vivo interesse. Nesta posição o animal permaneceu por
alguns segundos. Depois, o felino emitiu seu suave e fraterno mantra de
apresentação: Rooommmhhh... Rooommmhhh...
O diálogo
Sidarta Gautama: Você está perturbando minha tentativa íntima de expansão da consciência.
Gato: Engano seu. Eu faço parte do seu meditar.
Sidarta Gautama: Ora, você não passa de um gato. Como ousa interromper minha contemplação do Vazio?
Gato:
Outro engano seu. Antes de ser um gato, o que não é pouca coisa, sou um
arquétipo. Uma idéia poderosa que preenche e dá sentido ao Vazio. Há
muitos outros semelhantes a mim no lugar que você atingiu agora com sua
consciência.
Sidarta Gautama: Se é assim, por que você assumiu a forma de um gato?
Gato:
Um gato é uma boa medida de evolução. Porém é certo que eu poderia ter
escolhido também a aparência de qualquer outro ser. O que mais importa
neste momento é apresentar-me num formato reconhecível por sua interface
mental. Aquilo que faz você distinguir a "realidade". Acontece que você
ainda está condicionada à Maya, a extensa ilusão do mundo físico.
Depois, quando por fim ultrapassares esta fase, você poderá nos conhecer
como jamais pensou ser possível. Então vai descobrir que eu, você e
tudo mais que o cerca somos um só na mais recôndita essência.
De onde tudo parte e para onde tudo converge, lá somos unos.
Sidarta Gautama: Se estou entendendo... Você é como um conhecimento armazenado no íntimo de todos nós, isso?
Gato: Muito bem... Sim, pertenço à imensurável e oculta biblioteca da Vida...
Sidarta Gautama: Por favor, explique-se melhor.
Gato:
A natureza, toda vez que aprende, configura um arquétipo, o arquivo que
conterá o conhecimento adquirido. Disso surgem as predisposições e a
memória da Vida, pois basta ativar o que foi assimilado para reavivar a
experiência em todo o seu teor. É devido a isso que os seres vivos
nascem com uma programação prévia embutida. Porém não a confunda com
destino... ou castigo inexorável. O entendimento é outro: você nunca se
perguntou como pode, por exemplo, uma pequena aranha tecer sua teia
complexa, mesmo sem nunca ter tido de sua mãe a instrução fabril de
tamanha engenharia?
A natureza sabe devido a Informação armazenada nela.
Sidarta Gautama: Um manual?... A natureza tem um grande manual que faz tudo funcionar a partir de suas instruções?
Um arquétipo é um aprendizado (ou impressão) fixado e também manifesto nas dimensões física e psíquica.
Gato: Você avança
rápido. Mas a natureza é mais que isso. Ela é um imenso processo
dinâmico e em sincronia com todas as suas partes. Portanto, jamais
estará concluída, como um sistema em constante aperfeiçoamento. Para
quem a vê de fora sentencia: Evolução; para quem a compreende por dentro
conclui: Aprendizado.
Sidarta Gautama: e como vocês, os arquétipos/arquivos, movimentam as engrenagens deste progresso perene?
Gato:
Nós, os arquétipos, somos fundamentais ao esquema de desenvolvimento da
natureza. Somos o lastro do seu progresso. E ela só pode avançar
mediante aquisição de novos conhecimentos. Para tal necessita de memória
(arquivamento) e de instrumentos adequados e distintos. Estes, que
constituem a diversidade da vida em interação no planeta, lhes asseguram
a captação de vivências na superfície. O âmbito em que ela manifesta o
ensinamento implícito (arquétipos) através da conduta de todas as
espécies. Pode-se dizer que é a informação instintiva aplicada ao
comportamento dos seres. Em decorrência, tal fenômeno gera novos
impulsos indutores de experiências que, por sua vez, vão alargar as
fronteiras psicofísicas da própria natureza. A otimização resultante
permite-lhe desenvolver habilidades através de um processo gradativo de
capacitação e potencialização crescentes.
Sidarta Gautama:
deixe-me ver se entendi bem... Arquétipos, que são tanto programas
quanto arquivos muito sutis, servem para promover e consolidar o saber
que se origina da experiência dos seres vivos. A partir daí a Vida
avançará para outro estágio de aprendizado, quando então os seres
experimentarão novos desafios. Disso nascerá a experiência que, uma vez
fixada pelas gerações seguintes, reverterá em arquétipo/programa/arquivo
no âmago da natureza. Assim a Vida se transforma e se refina em ciclos
cada vez mais abrangentes... E queres saber o que eu achei mais
incrível? Ela faz isso através de nós! De seres aparentemente
insignificantes, somos em verdade extensões muito sofisticadas do
processo de aprimoramento da própria Vida! E o Karma, que não é destino
nem castigo, constitui a informação armazenada que Ela, a Vida, manipula
e transmite para agilizar e fazer elevar, cada vez mais, seu crescente
grau de aperfeiçoamento!!
Neste instante, o gato perdeu
suas formas e Sidarta teve sua mente ofuscada pela Iluminação que,
subitamente, o arrebatou para outro nível de entendimento...